sábado, abril 04, 2015

ESTRANHOS - PARTE IV

Memórias. Não são fáceis de assimilar-se. Trazem consigo furacões de sentimentos, que muitas vezes, pesam mais, que elas em si. Memórias dizem quem somos, quem podemos ser, quem já fomos e quem seremos. Ou não? São os tais sentimentos quem falam isso? Ou esta é uma escolha que está acima do poder das nossas memórias e dos sentimentos que elas despertam? Esperando que... escolhamos?

(Esyath Barret)

Otian, Setor Norte, Floresta Tropical

24 de Fevereiro de 1600 d.C. às 15:00hs

O choque de ver sua mãe a sua frente foi demais para Carol. Como ela poderia estar a sua frente daquele modo, sem ter sofrido qualquer desgaste do tempo? Era como se ela tivesse... sua idade... Ou pior... fosse mais jovem que ela. E sua expressão esclarecia que definitivamente ela não reconhecia Carol e nem Laura, sua prima.

Como ela poderia reconhecer? Havia sido tirada de sua mãe praticamente recém-nascida. Claro que ela não se lembraria. Mas aquela, definitivamente era sua mãe, ou um clone da mesma. O mais difícil era ter desejado por tantos anos ter sua mãe perto de si, abraçá-la, dizer que lhe amava, e naquele momento... ter que encarar os frios olhos negros daquela jovem a sua frente e saber que não representava nada para ela... certeza concretizada quando ela perguntou:

- Quem são vocês?

Laura foi quem esboçou primeiramente uma reação que não fosse tão... ilógica para a jovem que fitava as garotas. Ela se levantou, tentou limpar com as mãos as pernas e estendeu a mão para se apresentar:

- Olá, me chamo Laura! E esta é a minha prima Carol!

Sissi olhou para as meninas de uma forma curiosa, mas retribuiu o aperto. E naquele instante sentiu uma pequena faísca na mão... como estática, enquanto se apresentava:

- Olá, sou Sissi Hunter.

A pequena centelha, a deixou um pouco atordoada, mas acreditou que poderia ter sido a tensão do momento, de ter escapado da morte por pouco. E enquanto Carol se levantava, ouviram um baque no chão um pouco a frente de onde se encontravam e quando olharam, perceberam que um homem havia caído no chão. Era, Walom, o irmão de Sissi. Aquilo lhe distraiu das garotas, e lhe fez correr na direção do irmão, que estava descordado no chão. As jovens lhe seguiram, e se depararam com um jovem ruivo, com as mesmas expressões de Laura, desmaiado e sangrando.

- Meu Deus! O que aconteceu Walom? Droga! É o meu irmão! Temos que levá-lo agora para o Lago Azul!

Carol imediatamente segurou um braço do homem caído, em uma tentativa de levantá-lo, enquanto Sissi fazia o mesmo. Mas Laura, ficou paralisada. Não conseguia se mexer. O choque de ver seu amado pai daquela forma... desmaiado... sangrando... foi demais para ela. E quando ela percebeu, muitos espíritos estavam ao seu redor... todos falando ao mesmo tempo.

Ela detestava ver mortos e doentes. Sempre que alguém morria, ou ficava inconsciente a ponto de seu espírito se desprender do corpo físico, sua alma vagava e Laura, assim como seu pai e sua avó, tinha o poder de vê-los e interagir com eles. Após muitos anos, ela havia aprendido a fingir que não os via, criando uma barreira mental, quando se distraía com pensamentos menores ou desconexos. Mas naquele momento, o choque de ver seu pai a sua frente, foi tão grande, que lhe deixou completamente concentrada nele e a barreira mental caiu, o que lhe permitiu ver todos os espíritos de uma só vez, chorando e lamentando a seu redor. Alguns tentavam chamar sua atenção, e começaram a lhe tocar e gritar em seu ouvido.

Mas o que a deixou realmente apavorada... foi ver a alma do seu pai... olhando petrificado para o próprio corpo que sangrava no chão! E ela se perguntou se ele estava morrendo.

Sissi ficou com raiva porque a garota ruiva estava parada fitando o nada, sem se prontificar a ajudar, e enquanto puxava seu irmão, perguntou a Carol:

- O que há de errado com ela?

Encontrando dificuldade para içar o corpo do tio desmaiado, que era extremamente pesado, disse:

- Droga! Logo agora Laura!? Ela está... em choque. Ela fica assim quando vê sangue... É só ignorar... daqui a pouco ela vai cair em si e nos seguir...

Em nenhum momento passou pela cabeça de Carol, que sentiu uma pequena faísca nas mãos assim que tocou no tio, contar a verdade a sua mãe sobre o talento de sua prima... Se ela não havia reagido bem a chamá-la de mãe, como lidaria com o fato de que sua prima via espíritos?

Enquanto seguiam adiante, na direção do tal Lago Azul, Sissi explicou que era onde os magos com poder de cura tratavam os enfermos. E seu irmão precisava de um com urgência, pois aparentemente estava sangrando porque havia sido picado por uma Conien, cobra de fogo das florestas, que mordia e sugava seu sangue, enquanto soltava um veneno bloodhell, conhecido por incendiar as veias com fogo invisível enquanto infectava, impedindo que a ferida cicatrizasse, o que normalmente levava a uma hemorragia grave, como a que seu irmão aparentava ter e que poderia matar.

O que nenhuma das duas mulheres percebeu, enquanto arrastava o corpo de Walom para fora da floresta, é que seu espírito havia passado a encarar de forma espantosa... Laura, e decidiu lhe perguntar:

- De onde nos conhecemos?

- Esta é a sua pergunta? Você provavelmente está morrendo... não está percebendo?

E quando Walom tocou o rosto de Laura de forma inconsciente, tomou uma descarga tão intensa de energia, que suas próprias barreiras mentais foram destruídas, enquanto sugava para si, todas as recordações dela, e uma verdadeira avalanche de sentimentos.

A viu no ventre da mãe, se mexendo, enquanto escutava sua voz e a da própria mãe conversando com ela. Sentiu seu amor, quando abriu os olhos pela primeira vez e enxergou ambos os pais. Viu-se brincando com Laura, ainda bebê, lhe jogando para cima e para baixo. Um dos momentos mais elucidativos foi quando se enxergou pelos olhos da pequena menina, conversando com Thereza Silva, avó da criança, sobre como se sentia feliz com a paternidade e com o fato da pequena ser um reflexo seu, com seus olhinhos verdes e cabelinho ruivo. E enxergou a dor desesperada da menina, quando seu pai, naquele mesmo dia, não mais voltou para segurá-la em seus braços. Sentiu sua tristeza profunda de criança e a raiva, que acabou por lhe afastar de toda e qualquer inocência, momento em que, começou a perceber e interagir com espíritos. E eles lhe deixaram obcecada por encontrar o pai, lhe contando histórias sobre mundos fantásticos que existiam e que poderiam estar o escondendo. Testemunhou até o dia em que um espírito maligno fez um acordo com ela: lhe contaria onde poderia encontrar o pai e a tia, se cometesse um assassinato. E ele viu a dor dela, quando cometeu aquele crime. O preço que pagou havia sido caro demais, ceifar uma vida, pela de seu pai. E como aquela lembrança pesava! Ela sentiu que não valia nada e que merecia a morte. Mas não naquele momento, pois nada lhe tiraria a chance de resgatar sua família, e, por fim, viu quando imersa em todo aquele rancor e toda aquela dor, ela arrastou a prima até o casarão... e havia chegado ali. E em meros segundos, ele ficou consciente e completamente abismado, enquanto perguntava:

- Filha!?
Continua...