quinta-feira, maio 06, 2010

Quase louca, quase devassa, quase normal...

" Loucura, devassidão, lucidez, possuem
definições que dependem sempre do ponto-de-vista."
( Esyath Barret)

O dia em que achei que estava me tornando esquizofrênica ou devassa, era tão comum quanto qualquer outro... Quer dizer, eu simplesmente havia ido a padaria do Seu Soares, comprar pão francês fresco, depois voltei para casa, preparei o meu café-da-manhã e o da vóvó. Já tinha deixado Pedro, meu irmão caçula, na escola, no caminho da padaria. Foi quando, me preparando para ir trabalhar, uma coisa me ocorreu... Eu já tinha 25 anos de idade e ainda era virgem. Como eu podia ser virgem!? Até Maroca Maria, minha vizinha lésbica, já havia tido um caso com o carteiro, o que a fez perder sua “virgindade heterossexual”, então como eu podia ainda ser virgem?
Feia, eu nunca fui, quer dizer, meus olhos verdes se destacam bem em meu bronze de praia e combinam bastante com meus cabelos cacheados negros. Eu sei que quando passo na rua, ainda escuto os assovios dos peões-de-obra. Eu sei o que vocês podem estar pensando... Mas você quer um peão de obra para você? Claro que não... Mas é que se um peão assovia pra você, então você não está perdida por completo, entende? Então como eu podia ser virgem? Não foi nem o sobrepeso, nem a falta dele... Dava mais para apostar no meu recato, no meu constante autocontrole...
Me olhando no espelho o que eu via? Saia cinza pregueada abaixo do joelho, uma camisa branca de mangas-longas, abotoada até o pescoço, sapatos estilo boneca, devidamente engraxados, calçados em pés com meia-calça branca, cabelos amarrados num rabo-de-cavalo e o rosto sem um pinguinho de maquiagem. Certo, além disso, o que poderia terminar de me tornar de vez uma completa freira reprimida? Isso mesmo, um par de óculos e uma cruz prateada, herança de mamãe, devidamente pendurada no meu pescoço. O que mais eu via? Bem, uma mulher com um corpo bonito, mas escondido, uma jovem de rosto cuidado, afinal desde pequena mamãe insistia comigo para que cuidasse da minha pele, para que ela nunca ficasse manchada, fosse sempre lisa, depilada e uniforme. Mas de que isso importava, se tudo em que eu conseguia pensar era que devia sempre manter meu irmão com estabilidade, com a certeza de que não estava só no mundo, em como devia cuidar melhor da minha tese de Mestrado, ou não conseguiria meu diploma e em como precisava obrigar aqueles fedelhos mimados da Escola Santa Marta a fecharem a prova de física do vestibular?
Meu Deus a única coisa em que conseguia pensar era em números, teses, equações, teorias, na minha avó e no meu irmão que precisavam de mim. Então que razão estava me empurrando a me sentir infeliz por ser virgem? Carência de atenção? Carência de companhia? Carência... de sexo? Será que um dia tudo está ótimo e no outro simplesmente nos deparamos com isso? Como Maroca Maria acordou e decidiu que queria levar o carteiro para a cama?
Eu não sei, mas naquele momento me irritei e indo contra tudo o que me fez passar a vida inteira numa zona de conforto, escondida, sem ser percebida pelas pessoas, liguei para a escola e disse a diretora que me atrasaria para as aulas.
Em seguida, fui ao centro da cidade. Eu morava no Rio de Janeiro, como conseguia ser tão reprimida, quieta, inexperiente e excessivamente vestida, quando sou carioca? Todos sabem que os cariocas meio que possuem fama de descolados e malandros, estava no momento de assumir a carioca adormecida que tinha dentro de mim...
Comprei uma calça de couro, que vou te contar, deixou minha bunda muito empinada, em seguida uma regata branca que amenizou bastante o calor, sandálias de salto agulha, colares compridos prateados que pus no lugar da cruz de mamãe, soltei meus cachinhos negros, passei aqueeeele lápis-de-olho para supervalorizar meu olhar e voilà, eu botava aquela garota daquele filme... Como era o nome? Ah, esqueci, mas é um em que a garota se transformava de patinho feio em uma gata, pois bem, a coloquei no chinelo... Todos me olhavam na rua como se eu fosse alguma daquelas garotas, chamadas de Angels da Victoria´s Secret perdida na rua por milagre.... E pela primeira vez em toda a minha vida, quando entrei no Santa Marta, tive o prazer de ver aquele bando de adolescentes barulhentos, completamente calados, acho que estavam estupefatos. Ainda escutei:
- Cadê Dona Helena? A senhora é nossa professora nova?
Sorrindo de uma maneira quase indecente, dando uma piscadela para a garota, simplesmente respondi:
- Pode me chamar de professora Leninha criança. E eu sou a mesma. A professora Helena, lembra?
E ali, percebi, que nos aprimorarmos, nos darmos a oportunidade de sermos felizes, de curtimos a vida de um modo mais leve, não nos torna pessoas diferentes... Por dentro continuamos os mesmos, mas podemos nos dar ao prazer de vivermos a vida com um pouco mais de alegria e jovialidade. Se queremos exterminar nossas inseguranças, precisamos dar o pontapé inicial, e não supor que isso vai cair do céu em nosso colo...
Ainda seria irmã do Pedro, iria a padaria do Seu Soares, cuidaria da vóvó, terminaria meu Mestrado, ensinaria aqueles fedelhos... Mas experimentando lados novos da vida, estando aberta para novas opções de prazer e de felicidade... Na vida precisamos cruzar os muros que levantamos, para vermos como é do outro lado... A outra visão sempre pode nos completar e nos mostrar o quanto imersos em nossa rotina, acabamos esquecendo do quanto a vida pode ser completa e grandiosa... E daí que para isso eu tenha que vestir uma calça de couro, uma saia pregueada, pular de asa-delta, fazer sexo, continuar virgem, aprender a amar, a ter preguiça, a trabalhar, a brigar ou a perdoar? O importante é cruzar o limite e ver como as coisas podem ser....
Muito prazer, meu nome é Helena Silva, uma mulher tão humana quanto qualquer um de vocês... E entendi, não, não estou louca, nem devassa, apenas entendi que é normal um dia desejar conhecer o que antes parecia não te interessar... É como se listássemos prioridades ao longo da vida, e um dia, há de chegar o dia em que todos, vamos buscar conhecer e viver nossa natureza em toda a sua plenitude...

The End.
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Meus queridos amigos blogueiros, como eu disse, estou retornando aos poucos. Andei apenas postando "Poemas (Des)conexos", mas hoje volto a publicar mais uma "História (Des)conexa" em forma de conto. Nossa protagonista é uma jovem como qualquer outra. Uma garota inteligente, esforçada, que sofreu a dor de se tornar órfã logo cedo, e que assumiu com muita dignidade a responsabilidade que lhe foi jogada nos ombros, de ser responsável não apenas pelo próprio futuro, mas por de toda a sua família. E que agora, como acontece com qualquer um de nós, confronta os próprios valores e as próprias escolhas... Como eu disse, lucidez, conservadorismo, devassidão, loucura, são apenas rótulos que nós criamos para nos entendermos e nos sentirmos seguros de quem somos, mas na verdade... são flexíveis e dependem apenas de um ponto-de-vista...
Estou atualizando as visitas e vendo o que posso fazer com a minha caixa de comentários.
P.S.: Estoy no twitter sim e quem quiser trocar umas idéias por lá, basta... me seguir. Sei que não sou muito assídua lá, como uma legítima twitteira viciada de plantão, visto que tenho muitas outras atividades fora da web... Mas sempre vale a pena essa interação sócio-cultural. Basta que vocês cliquem aqui, ou procurem Esyath_Barret.
Beijos (Des)conexos!
Esyath Barret