domingo, maio 20, 2007

Ainda há tempo para amar...? - Parte I

“Amar é um exercício contínuo, que precisa de prática.
Monstros também amam. Os belos também amam.”

Essa foi a frase que foi dolorosamente esculpida na lápide de Lumã, antes dele morrer. Ele mesmo a criou. Ele mesmo a colocou lá. Foi seu grande último desejo. Não, na verdade ele ainda não morreu, mas ela está lá assim mesmo. Depois de algumas experiências vividas, tentando provar que a humanidade ainda tinha salvação, ele simplesmente acordou para a realidade. Lumã foi um verdadeiro desafio de Deus mandado a Terra. Sua mãe o amou desde o primeiro instante, mas quando morreu, ficou-se sabendo que ela não havia sido uma mãe tão eficaz assim. Ela foi bondosa, inteligente, fina, amorosa, mas não foi uma boa mãe. Uma boa mãe ensinaria a seu filho as lições da vida, como ela pode ser cruel com você, simplesmente por ambição, meramente por costume, talvez apenas por vaidade. Não importa, o que importa é que o rapaz não estava preparado para enfrentar a Vida e a Crueldade que nela existe... E exalando confiança, e esperança, ele começou a viver de verdade, no dia fatídico da morte de sua mãe... Uma data que jamais esqueceria...
20 de Maio de 1999
O Sol nasceu brilhoso, irradiava alegria por todo o horizonte... Os pássaros voavam, os rouxinóis cantavam, até as borboletas não paravam de sobrevoar o lago que ficava em frente a casa... Todo este cenário seria idílico, se não fosse o pesar que dominava o coração de uma pequena e inocente criança, que pela primeira vez conhecia o futuro do nascimento... Sabe, aquele predestinado a todos nós, quando saímos do útero de nossas mães? A morte.Lumã já havia visto com seus pequeninos olhos castanhos a morte nos animais. E ele lamentava, chorava, mas como todo inocente, que está crescendo e aprendendo coisas novas a cada dia, logo esquecia esses momentos de tristeza. Sua mãe costumava dizer que os animais quando morriam, continuavam a viver, pois seus espíritos eram imortais, e eles acompanhavam seus donos constantemente, até que a morte, os viesse também chamá-los. Então, ambos iriam juntos, para o Paraíso. O Paraíso era como a Terra do Nunca. Um lugar mágico, cheio de paz e livre do fim. Ele sabia que lá que não existia o fim, pois o fim, era sempre um novo começo. O fim da vida terrena, levava ao começo da viagem rumo ao tal Paraíso. Mas lá não existia mais fim, pois depois que os imortais chegavam lá, não precisavam mais recomeçar. Isso tudo era apenas uma história infantil, contada por uma mãe amorosa, que não desejava que o filho perdesse a fé na Vida.Mas então, a sua própria vida foi roubada. O pai de Lumã pela primeira vez em anos, bebeu muito naquela noite, estava desesperado, pois havia sido roubado por seu sócio, que levou a firma a falência, e naquela noite, depois de muito beber, o Sr. Melchisedek perdeu a passividade que tinha, e irado, desejando matar seu sócio, teve a lucidez e a razão embotada, e pegou no pescoço da jovem Sra. Mariana e a enforcou. Então, pela primeira vez na vida, o jovem menino recebeu três duras lições:
1. Todos morrem, alguns de causas naturais, como seu pai, que teve um enfarte quando se deu conta do que fez, e outros de causas forçadas, lapidadas pelo desespero, pelo egoísmo e pela maldade humana, como sua mãe, que foi brutalmene assassinada, diretamente pelo desespero do marido e indiretamente pelo egoísmo do sócio de seu marido.
2. Se seus pais seriam imortais, assim como sua mãe falava, certamente não estariam a seu lado, pois ele não via ninguém, e aliás, se os animais seguiriam os donos, quem os humanos seguiriam? Talvez, ninguém. Assim sendo, já deveriam estar na Terra do Nunca, e ele estava sozinho. Quando você está só e sem dinheiro, ninguém demonstra compaixão por você.
3.Então, você deve encarar a verdade como ela é, e jamais guardar esperanças, para assim, saber enfrentar seu sofrimento e sua própria realidade.
Lumã aprendeu isso tudo em apenas uma noite, mas ainda assim, não havia perdido esperanças de encontrar amor e felicidade. Sua mãe lhe ensinara que você ama quando acredita no amor. E para acreditar, é preciso construir em si, o sentimento. Como se fosse um pequena murada, onde aos poucos você vai criar um arranha-céu.
Então, naquele dia, Lumã aprendeu essas lições, mas ainda assim, não quis crer nelas. Achou que fossem logo serem esquecidas, como as lembranças ruins da morte de seus pequeninos animais. Mas não foi isso o que aconteceu...
A tia paterna de Lumã, Marcela, ficou com sua guarda, mas não tinha tempo e nem disposição para criar um filho, que sequer era seu. Uma criança, com a qual ela se esforçava para não conviver. Então com a praticidade mais maternal que fora capaz de reunir em si, no dia do enterro, daqueles que haviam em vida sido seus parentes, perguntou ao menino:
- Que dia é hoje? Quarta ou quinta-feira?
- Quinta-feira, tia!
- Não me chame de tia. Sou apenas a irmã do seu pai. Nada mais, nada menos. Fora o laço sanguíneo, nada mais nos une, garoto.
- Lumã!
- O quê?
- Lumã! Meu nome é Lumã!
- Está bem! Tentarei lembrar! Então hoje é quinta?
- Sim! Por quê quer saber?
- Apenas para marcar o dia em que me livrei de seu pais. Eles sempre foram bondosos e indulgentes demais na minha opinião. Mas eu sabia que seu pai não era aquele poço de virtudes, que demonstrava ser. No fundo, eu sempre imaginei que havia um monstro dentro dele, a espreita. Louco para sair e mostrar a verdadeira face diante das pessoas. E não é que eu tinha razão? Veja se pode! Matar a própria esposa? Pessoas boas demais, também escondem monstros grandes demais em si. Mas isso não vem mais ao caso... De todo modo, hoje é quinta-feira... Um dia tão bom, quanto qualquer outro para morrer...
- Eles não morreram!
- O quê?
- Eles foram para o céu!
- Não seja tolo, menino!
- Lumã!
- Que seja! E como pode saber que eles foram para o céu?
- Porque minha mãe me ensinou que pessoas que são capazes de amar, bem como os animais e as crianças, vão para o Paraíso!
- Tanto faz!
- Como assim?
- Para o céu, para o Inferno! É sempre a mesma distância!
- A senhora blasfema na minha casa, no dia do enterro de seu próprio irmão?
- Ah, garoto, você é pequeno demais para entender o sentido da vida!- E qual seria?- Nenhum! Oras! Você nasce e morre! É um ciclo, apenas isso! Nada mais, nada menos! De todo modo, você não mora mais nesta pocilga!
- Como assim?
- Vou alugar esta fazenda e com o dinheiro, vou custear seus estudos em um internato!
- Mas eu não quero ir!
- E quem disse que você tem querer, garoto?
Mais uma lição! Muitas vezes, sua maior vontade é roubada de você. Então você tem que fingir que aceita, quando na verdade, o rancor começa a brotar. Mas a criança ainda não sabia o significado do ódio, e não queria saber... Pelo menos não naquele instante...
Continua...