domingo, agosto 05, 2007

Por quê a vida nos arrasta para lugares ermos, como o coração?

"Que sei? Sei apenas que tenho dedos.
Conta-me tu! A verdade sobre meus dedos."
(Esyath Barret)
AMAR
Eu havia começado a escrever o conto sobre a história de Lumã com o intuito de mostrar até que ponto uma pessoa é capaz de acreditar no amor, mas talvez com essa nova continuação, o novo intuito seja saber até que ponto um ser humano seja capaz de desacreditar na própria capacidade humana de amar. Até que ponto mudar é mais do que uma vontade, é uma necessidade inconsciente... Espero que o conto seja apreciado. É uma história (des)conexa, onde e como vai terminar, só descobrirei quando minhas idéias chegarem a um consenso... Até lá leitor, vamos descobrindo juntos! Para quem se lembra, a primeira parte do conto foi narrada e publicada em maio de 2007. Para quem não leu, basta checar o histórico de Maio, é o primeiro post que aparece. Este conto está sendo escrito de três formas: na narrativa da Tia Marcela, uma jovem fútil e moderninha, na narrativa de Lumã, uma criança que vai crescendo e amadurecendo aos poucos e que vai se tornar adulto e sob o meu ponto de vista como terceira desinteressada e imparcial, que apenas está acompanhando a situação toda...

Muitas histórias começam com um beijo, um tapa, um café ou com o nascimento. A minha começou com a morte. A morte do meu irmão. Um irmão que eu via freqüentemente apenas nos Natais. Épocas em que como eu não tinha para onde ir, era obrigada a passar a noite inteira, vendo sua cara de bom moço contar anedotas irritantemente engraçadas. A única época do ano em que eu era obrigada a lamentar minha vida prática e solitária. Eu lamentava até mesmo a fase mais detestada da minha vida ter passado: minha infância.
Meu irmão sempre foi um bom sujeito. Não sei se as surras que levou de mamãe o tornaram pior, ou melhor, do que qualquer outro sujeito, mas sei que ele se esforçou para construir um lar bem diferente do nosso, cheio de confiança, liberdade, onde tudo podia ser conversado. Mas naquelas noites, eu realmente lamentava não ter quem me acompanhasse. Eu ficava triste por não ter uma família desastrada como a nossa era quando éramos crianças e por não ter uma família sorridente como a de meu irmão. Mas a realidade é que no fundo, eu invejava Luis por ele ter a quem amar. Eu? O máximo que eu tinha era meu sorriso largo em um batom cheio de gloss diante do espelho quando ia a uma festa.
A última festa fora o aniversário de uma antiga colega de faculdade. Quem eu levei mesmo? Acho que o Marco, ou o Fred! Não me lembro bem... Mas nos Natais eu nunca levava ninguém. Eu podia não gostar de não ter quem me acompanhasse, mas detestava ainda mais misturar minha vida prática com a minha vida nostálgica. Adorava demais meu status quo de solteira, para permitir alguém ultrapassasse a tênue linha adorável de ser apenas um bom amigo, para aprofundar laços amorosos. Convenhamos que todos devem serem levados a sério, mas quando você arrasta uma pessoa para a sua vida pessoal/familiar você acaba gerando expectativas, que acarretam em frustrações e irritações quando a pessoa não é exatamente aquilo que você espera ou que você precisa que ela seja.
O fato é que eu amava ser quem eu era ao longo de todo o ano, com exceção do Natal, quando eu me enxergava através dos olhos daquelas pessoas que eram ligadas a mim apenas pelos laços sanguíneos: uma miserável solitária. Até que essa história chegou ao fim no último ano que se passou, quando meu irritantemente bondoso irmão, com sua família perfeita, veio a falecer.
O que eu senti? Posso dizer que uma leve angústia, afinal, por mais que não fôssemos mais amigos como quando éramos adolescentes, ele ainda era meu parente e mesmo que não o fosse, na minha opinião, era bom demais para morrer. Mas o fato é que seu destino já havia sido traçado, pois não há espaço nesta era capitalista e mercenariamente materialista para almas generosas e confiantes.
Mas posso afirmar que toda a minha pequena angustia se transformou em ira, quando eu soube o que ele havia me deixado de presente! Um pequeno otimista de um metro e meio que atendia pelo nome de Lumã! Se eu soubesse que meu irresponsável irmão entregaria nas mãos de uma egocêntrica como eu, a educação e a vida de uma criança tão pequena e esperançosa, eu mesmo o teria matado!
Eu jamais tive instinto maternal, e nunca fui muito amorosa. O mais perto do amor que já cheguei, foi ter despedido a minha estagiária por ter usado meu notebook onde costumo peticionar e escrever minhas memórias. Sim, porque meus aparelhos tecnológicos são minha vida, até mais importantes do que os amantes que eu nunca tive, nem terei, já que facilitam bastante meu dia-a-dia. Sou muito possessiva com eles, mas nunca amei ninguém a não ser meu próprio reflexo.
Então, chegou o dia do enterro do meu irmão e da minha cunhada e eu fui informada de que seria obrigada a cuidar do pequeno. Claro que a primeira idéia genial que eu tive foi fingir amnésia, fazer de conta que nunca tive parente! A segunda mais brilhante foi fingir que havia morrido... Então, surgiu-me a mais eficiente de todas, prestaria um favor ao fedelho, pois o livraria da minha companhia inexemplificável e outro a mim, pois teria minha consciência tranqüila de que havia feito o melhor pelo futuro da criança: mandá-lo para um internato.
A questão é que isso só poderia ser feito em duas semanas, pois eu precisava preparar toda uma série de documentos... E ao longo destes quinze dias não pude simplesmente ignorar o menino...

Minas Gerais, Belo Horizonte, na minha casa...

“- Coma!
- O que é isso?
- Macarrão instantâneo e guaraná!
- Não posso!
- Por quê?
- Porque são apenas sete da manhã titia!
- E daí?
- Isso não é saudável!
- Eu sei, mas você me disse que não gosta de frutas. E de fome você não pode morrer, certo?
- Mamãe me obrigaria a comer algo melhor.
- Certo! Mas eu não sou sua mãe!
- Sorte minha!
- Concordo!
- Eu estou com fome!
- Coma!
- Não posso!
- Então o que uma criança da sua idade come fedelho?
- Você não sabe!!!?”

Definitivamente seria uma temporada muito longa...
amar
Continua...