domingo, fevereiro 24, 2013

ESTRANHOS - PARTE III



"Golpeou-me e não me destruiu. Doeu, reconheço. Mas construiu minha força. E no momento de dar-lhe o troco, não me comoverei com lamentos. Confesso-te apenas uma coisa: tuas traições fizeram de mim uma rocha de aço." (Esyath Barret)



Otian, Setor Norte, Floresta Tropical
 
24 de Fevereiro de 1600 d.C. às 15:00hs


- Este é meu Sissi! Eu cheguei primeiro! – Disse o rapaz, antes de levar uma cotovelada forte na costela direita de sua companheira de caçada, Sissi Hunter, que abriu um sorriso largo e vitorioso e disse:

- Bem que você queria! – Então ela tirou duas flechas do alforje preso as costas, posicionando-as no arco e após fechar o olho esquerdo, mirando sua presa com o olho aberto, atirou, antes de ser jogada no chão de modo agressivo por Walom Hunter.

- Sai de cima de mim idiota! Isso doeu sabia?

Fitando sua irmã de um jeito irado, o rapaz indagou:

- Foi maior ou menor que a dor que me causou?

Enquanto a pressionava contra o chão, para forçá-la a respirar com dificuldade, observou o belo rosto de sua irmã. Os olhos negros como a peste não denunciavam que eram irmãos, nem mesmo os cabelos louros como o sol. O que os ligava, era o sinal em forma de continente que ambos traziam no ombro direito. Afora essa identificação genética, fisicamente não possuíam qualquer semelhança. Frustrado, decidiu esbravejar com ela:

- Somos irmãos, mas nunca seremos parecidos! Você joga sujo, não respeita o direito das pessoas e só pensa em saciar sua curiosidade!

Enquanto ela sufocava, tentando empurrá-lo, ele continuou:

- Você não queria me vencer, queria saber apenas se conseguiria perfurar o pequeno globin com duas flechas ao mesmo tempo. Agora, sua anta, seremos caçados ambos pela mãe dele!

Quando a soltou, não esperava a joelhada que recebeu, em um lugar impróprio. E quando caiu de lado gemendo, Sissi lutou para encher o pulmão com ar. Fitando seu irmão pensou em como era difícil superá-lo em qualquer coisa. Mesmo que tivessem praticamente a mesma altura, jamais sua força se equipararia a dele. Contudo, no fundo, isso não a incomodava, pelo menos não de verdade. O que a perturbava, era quando tentava lhe educar, direcionando seus passos. Quando a maturidade dele se sobrepunha a seu instinto cínico e frívolo. Bastava olhar para aqueles cabelos ruivos ondulados que chegavam aos ombros e os olhos verdes levemente puxados, que se percebia que Walom era uma pessoa espirituosa, com certa tendência para brigas e humor negro. Mas ninguém sabia que por baixo daquela enorme estatura, existia um homem obstinado, e que volta e meia chocava Sissi para que entendesse o perigo que a cercava. E naquele instante ele tinha razão. Precisavam abandonar as picuinhas e correr. Concluiu isso, quando escutou um rugido alto e feroz que se aproximava deles. Apertando o braço do seu irmão, sussurrou: - Agora!

Ambos correram como se o demônio estivesse os perseguindo. E na verdade, se não era o Satã, era um parente próximo.  Sentiram o frio aproximar-se quando o animal espalhou gelo pela floresta, dominando a grama e as árvores próximas. Walom tentava acompanhar os passos da irmã, mas estava com dificuldades, pois a joelhada doía mais a cada passo. Vendo que seu irmão estava a um passo de cair, Sissi parou de vez e virou-se para encarar o animal. Não sabia o que faria, mas se tivesse que ser congelada viva para que seu irmão tivesse chance de escapar, então assim seria. Pois a culpa era sua. Esperou com olhos abertos e não fez alardes, pois não queria que seu irmão percebesse que não estava correndo atrás dele. 

O globin era um animal em extinção. Tinha a aparência de um tigre, tendo uma tonalidade branca com listras pretas na pele. Seus frios olhos azuis passavam uma estranheza predadora. Sua semelhança com os tigres terminavam em seu formato felino e nas cores. O animal era enorme, media em torno de uns seis metros de comprimento e apesar de não ter velocidade em terra, por conta das pesadas asas brancas, era profundamente perigoso e violento. E não apenas devido os caninos expostos e afiados que trazia na boca, como um tigre dente-de-sabre, mas porque tinha o poder de trazer gelo ao ambiente em que se encontrava, principalmente quando atacava, numa tentativa selvagem de paralisar sua presa.

O animal parou e a fitou com um ódio violento. Os seus Conselheiros podiam dizer o que quisessem daqueles animais, mas ela sentia que tinham alma e consciência. Ele não queria matá-la porque se sentia ameaçado ou porque desejava alimentar-se de sua carne humana. Queria vingança pelo filhote morto. Após rugir para ela, quando o globin pulou para lhe atacar, fechou os olhos esperando a pancada e o estraçalhamento. Esperava que as presas se afundassem em seu peito primeiro. Realmente foi jogada para trás, mas a morte não veio.

Após alguns segundos, abriu os olhos e viu que não havia nada sobre si. Nenhum animal. Antes que compreendesse o que havia acontecido, escutou duas vozes discutindo a seu lado:

- Que merda Laura! Não precisava me empurrar daquele jeito!

- Precisava sim! Você não queria entrar! E aquela neblina estava me deixando em pânico!

- Ai! Ai! Cara meu ombro tá doendo demais!

- Deixa de ser frouxa! O meu tá doendo também, mas não tô passando na sua cara, tô?

- Agora tá!

Enquanto as garotas discutiam, Sissi sentou-se e procurou espantada pelo animal. Havia evaporado! De onde elas tinham vindo afinal? Virando-se para elas, teve uma sensação de que as conhecia de algum lugar, embora isso fosse claramente impossível. Talvez fosse porque ambas lhe davam a impressão de que lembravam alguém. Quem seria? Aliás, de onde haviam vindo mesmo? Ambas não pareciam notar sua presença ali, então, anunciou-se tocando a garota loura nas costas e perguntando se estava bem. A garota virou-se para responder, porém, sua pele branca ficou incolor se é que aquilo era possível. O choque em seu rosto era indescritível. Os olhos estavam arregalados, e ela abriu e fechou a boca umas três vezes antes de aproximar o rosto de Sissi e sussurrar uma pergunta:

- Mãe?
Continua...