segunda-feira, fevereiro 27, 2012

ESTRANHOS - PARTE II


"Foi dito por Deus: “Cuidado com teus desejos, pois podem se tornar realidade.”

E o homem, tolamente, assim mesmo, insistiu em desejar."

(Esyath Barret)

Brasil, Paraíba, João Pessoa, Centro, Avenida Walfredo Leal, Casa Abandonada, Sem Número.

13 de fevereiro de 1988 às 13:00hs.

- Brincadeira tem limite!

- Isso não é uma brincadeira Anthony!

- O que é que pode ter de tão esquisito dentro de uma casa abandonada?

Observando o silêncio da loura impertinente que o encarava com um olhar negro cheio de seriedade, como se já previsse que o estava arrastando para um lugar perigoso e suspeito, Anthony Lins, passou a mão nos cabelos ruivos tentando acalmar os pensamentos, porém tudo o que fez foi bagunçar a cabeleira lisa. E falou:

- Fantasmas? Maconheiros? Cadáveres? Ei... quem sabe traficantes colombianos fugidos da Interpol?

Ana Silva arqueou a sobrancelha imaculadamente loura para o meio-irmão demorando alguns segundos para compreender que ele estava fazendo uma piada. Bom, ela nunca fora uma perita na arte de compreender bem o eterno ar debochado do seu irmão, mas adorava o temperamento dele, porque sempre lhe levava a sorrir, animando-a um pouco. Mas naquele momento, queria que lhe levasse a sério, pois tinha descoberto uma coisa realmente importante naquela casa... Colocando o dedo junto a boca, indicou que ele devia se calar. Puxando-o pela mão, colou-se na parede externa da casa, o que lhe causou arrepios, pois haviam trepadeiras grudadas na parede, deixando claro que a casa era sua hospedeira. Sabiam-se lá quantos insetos estavam escondidos na vegetação selvagem que dominava o ambiente. Devia ter até cobra por ali...

Quando chegaram na extremidade que dava para o quintal do terreno, começaram a escutar vozes, e um som preenchendo o ar. No começo lembrava um passarinho cantando, mas então o som começou a se transformar em um grasnido agudo e sofrido, que fez latejar seus ouvidos. O calor que até então deixara seus corpos pegajosos e suados, transformou-se em frio, a umidade do ar diminuiu e a dor nos tímpanos se tornou insuportável. Colocando as mãos nos ouvidos, ambos não conseguiam mais se concentrar em nada, até que repentinamente tudo parou e o silêncio se tornou sepulcral. Respirando com dificuldade, Ana deu-se conta de que havia sido um erro trazer o irmão ali, quando uma neblina os envolveu por alguns segundos, tocando seus corpos tensos, como um manto gelado e gasoso. O medo apossou-se de seu coração, lhe fazendo temer até mesmo piscar os olhos, e ela percebeu que algo estava errado. Por que tanto medo e aflição? Não era normal. De uma maneira estranha, ela olhou para Anthony e deu-se conta do ar apavorado encarando-a. Algo estava alterando a percepção e os sentimentos de ambos. Com muito esforço, pegou sua mão, e abaixando-se o arrastou para trás de um banco abandonado que havia do lado de uma árvore, um pouco adiante de onde estavam. Tentaram ficar escondidos, porém isso era algo praticamente impossível diante da altura de ambos que mediam 1,80m. Fazendo um sinal com a cabeça, a jovem mostrou ao irmão o que havia descoberto ali. O que os aguardava e sabia o tempo inteiro que estavam espiando... O que os fez desaparecer naquele instante...

Continua...

domingo, fevereiro 12, 2012

ESTRANHOS - PARTE I

“O tempo passa e você percebe que as pessoas mudam. Ou nunca foram quem pareciam ser, ou simplesmente, já não querem mais ser quem realmente são... Ainda assim, os laços que nos unem nunca serão rompidos. Podem ser esquecidos, mas jamais destruídos. Estarão sempre presentes.”

(Esyath Barret)

Brasil, Paraíba, João Pessoa, Miramar, Edifício Palace Kingdom, Apartamento 305.

08 de fevereiro de 2012 às 19:30hs.

- Como você entrou no meu apartamento? Isso é crime sabia? – Perguntou a loura levemente irritada, levantando-se do sofá para demonstrar que não estava propensa a muita conversação.

Completamente relaxada, a ruiva subiu e desceu os ombros demonstrando que fazia pouco caso da mulher a sua frente, e se é que era possível, espojou-se ainda mais no sofá da pequena sala, levantando os pés que calçavam botas de cano longo e os pousando no centro de vidro. Olhando de um lado para o outro, mordeu os lábios de forma pensativa e disse:

- Essa sala é muito sufocante, você não acha Carol?

Suspirando impacientemente, Carol Silva circundou o sofá e parou em frente à sua visita, de modo ameaçador. Seus olhos negros como carvão eram herança de sua finada mãe e como seu pai sempre gostara de dizer... pareciam perigosos quando ela se enfurecia. A ruiva ou fingia que não pressentia a ameaça ou era completamente idiota para não sentir-se em apuros, diante daquela garota que media quase 1,80m de altura e que estava diante dela.

- Laura, ou você me diz por bem, ou arrancarei de você a resposta na base da pancada.

Batendo palma e sorrindo largamente, a ruiva espevitada apenas disse:

- Desde quando você se veste assim... tão mulherzinha Carol? Esse vestido branco com cara de anjinho de igreja foi escolhido por você ou aquele imbecil do seu pai determinou mais uma vez o que você deve vestir?

Carol não se importou naquele momento, que seu cabelo louro que lhe dera tanto trabalho para ficar preso no coque francês, se desprendesse ou assanhasse. Suas mãos longas apenas se projetaram para a lapela da jaqueta de Laura Lins de forma automática, com a óbvia intenção de levantar a garota à força do seu sofá. Em nenhum momento ela percebeu que aquela havia sido exatamente a intenção da ruiva, nem viu quando a garota deu um sorriso cínico quando percebeu que atingira seu objetivo e o principal... não antecipou o movimento da adversária.

Sorrateiramente, quando Carol se curvou para pegar seu casaco, o pé direito de Laura voou na perna da loura, e a mesma caiu em seu colo automaticamente, como um saco de batata. Então ela forçou seus cotovelos na base da coluna da garota, lhe causando dor e impedindo qualquer movimento seu.

Depois de espernear alguns minutos, a jovem viu que estava em desvantagem e aquietou-se. Provocando ainda mais, Laura disse:

- Eu não sei como você pode contentar-se em morar nesta droga de apartamento, depois de ter crescido em uma casa tão grande quanto a de vóvó.

- Está doendo. Pare de pressionar minha coluna! E o que você veio fazer aqui além de me irritar, machucar e criticar minha casa?

- Desde quando você é tão sensível a críticas Carol?

Ouvindo sua vítima murmurar um palavrão, disse:

- Agora sim está demonstrando ser quem é. E não esta beata de igreja que está parecendo com essa roupa.

Depois de ouvir outro palavrão, decidiu que já tinha ido longe demais com as provocações. Afinal, já havia conseguido se impor. Então, parou de pressionar sua coluna e a empurrou para o chão. Feito isto, levantou-se do sofá e dirigiu-se para o espelho, para checar seu reflexo. Seus cabelos vermelhos como o fogo e que faziam inveja a muita gente, pela cor totalmente natural, estavam presos em uma trança que descia ao longo de sua cintura. A franja estava presa com pedrinhas brilhosas coladas no cabelo, um dos poucos excessos femininos a que se permitia. De resto, tudo em si era completamente básico. Do jeans claro que vestia no casaco e na calça à blusa preta de manguinha curta. Até suas botas negras eram discretas. Não que ela precisasse de muita coisa para se destacar, afinal aqueles olhos verdes de gato, puxadinhos, por si só já impressionavam muita gente. Sua pele branca de porcelana, que não tinha uma única sarda, característica típica de brancos e de ruivos principalmente, parecia ter um brilho especial. Seu nariz pequeno e arrebitado era algo que lhe dava um ar aristocrático, embora a irritasse. E sua boca apesar de ter um tamanho bem mediano, era carnuda e o melhor de tudo, totalmente rosada, como se estivesse sempre de batom. Em resumo, ela mais parecia um desenho de photoshop, do que um ser humano de carne e osso. Sorrindo para si mesma, lembrou-se do comentário de sua avó quando disse certa feita:

“- Você é igualzinha ao seu pai. Parece uma fada. Nunca LL, você vai poder saber como é totalmente igual ao seu pai. Até no temperamento.”

Apesar de distraída, parou para notar o reflexo de Carol atrás de si. Ela parecia outra pessoa. Os cabelos sempre soltos e rebeldes estavam presos, em um coque, que escondia parcamente o louro radiante que nascia na raiz do cabelo e ia até as pontas. Seu rosto outrora sempre pintado, não trazia um mísero vestígio de maquiagem, e fora seus olhos grandes e negros, que chispavam de raiva naquele momento, nada em sua prima dizia que ela... era quem sempre fora. Estava pálida, apagada, sem vida. O que teria lhe acontecido? E que roupa esquisita era aquela? Um vestido esquálido, com manga, sem decote, que terminava na altura do joelho. E desde quando ela usava sandálias rasteiras de couro? Teve que parar de conjecturas e abaixar-se, porque a garota atirou nela um jarro, que se espatifou no espelho.

- Ei, sem violência, tá?

- Você foi quem começou!

Levantando-se rapidamente, olhou para a prima e disse:

- Vai me escutar com calma ou vou ter que te dar outra lição?

Suspirando, a anfitriã decidiu que era melhor escutar o que sua prima tinha para falar, ou ela não iria embora. Então, sentou-se no sofá e fez um gesto para que a sua quase vítima de um ataque de fúria ficasse a vontade e começasse a falar.

Laura ficou tensa, seu ar brincalhão havia sido substituído por uma máscara de seriedade, quando ansiosa, olhou nos olhos furiosos de Carol e disse:

- Eu vim aqui porque descobri que nossos pais estão vivos!

Continua...