Memórias. Não são fáceis de assimilar-se. Trazem consigo furacões de
sentimentos, que muitas vezes, pesam mais, que elas em si. Memórias dizem
quem somos, quem podemos ser, quem já fomos e quem seremos. Ou não? São os tais
sentimentos quem falam isso? Ou esta é uma escolha que está acima do poder das
nossas memórias e dos sentimentos que elas despertam? Esperando que...
escolhamos?
(Esyath Barret)
Otian, Setor Norte, Floresta
Tropical
24 de Fevereiro de 1600 d.C. às 15:00hs
O choque de ver sua mãe a sua frente
foi demais para Carol. Como ela poderia estar a sua frente daquele modo, sem
ter sofrido qualquer desgaste do tempo? Era como se ela tivesse... sua idade...
Ou pior... fosse mais jovem que ela. E sua expressão esclarecia que
definitivamente ela não reconhecia Carol e nem Laura, sua prima.
Como ela poderia reconhecer?
Havia sido tirada de sua mãe praticamente recém-nascida. Claro que ela não se
lembraria. Mas aquela, definitivamente era sua mãe, ou um clone da mesma. O
mais difícil era ter desejado por tantos anos ter sua mãe perto de si, abraçá-la,
dizer que lhe amava, e naquele momento... ter que encarar os frios olhos negros
daquela jovem a sua frente e saber que não representava nada para ela...
certeza concretizada quando ela perguntou:
- Quem são vocês?
Laura foi quem esboçou
primeiramente uma reação que não fosse tão... ilógica para a jovem que fitava
as garotas. Ela se levantou, tentou limpar com as mãos as pernas e estendeu a
mão para se apresentar:
- Olá, me chamo Laura! E esta é a
minha prima Carol!
Sissi olhou para as meninas de
uma forma curiosa, mas retribuiu o aperto. E naquele instante sentiu uma
pequena faísca na mão... como estática, enquanto se apresentava:
- Olá, sou Sissi Hunter.
A pequena centelha, a deixou um pouco
atordoada, mas acreditou que poderia ter sido a tensão do momento, de ter
escapado da morte por pouco. E enquanto Carol se levantava, ouviram um baque no chão um pouco a frente de onde se encontravam e quando
olharam, perceberam que um homem havia caído no chão. Era, Walom, o irmão de
Sissi. Aquilo lhe distraiu das garotas, e lhe fez correr na direção do irmão,
que estava descordado no chão. As jovens lhe seguiram, e se
depararam com um jovem ruivo, com as mesmas expressões de Laura, desmaiado e
sangrando.
- Meu Deus! O que aconteceu Walom?
Droga! É o meu irmão! Temos que levá-lo agora para o Lago Azul!
Carol imediatamente segurou um
braço do homem caído, em uma tentativa de levantá-lo, enquanto Sissi fazia o
mesmo. Mas Laura, ficou paralisada. Não conseguia se mexer. O choque de ver seu
amado pai daquela forma... desmaiado... sangrando... foi demais para ela. E
quando ela percebeu, muitos espíritos estavam ao seu redor... todos falando ao
mesmo tempo.
Ela detestava ver mortos e
doentes. Sempre que alguém morria, ou ficava inconsciente a ponto de seu
espírito se desprender do corpo físico, sua alma vagava e Laura, assim como seu
pai e sua avó, tinha o poder de vê-los e interagir com eles. Após muitos anos,
ela havia aprendido a fingir que não os via, criando uma barreira mental,
quando se distraía com pensamentos menores ou desconexos. Mas naquele momento,
o choque de ver seu pai a sua frente, foi tão grande, que lhe deixou
completamente concentrada nele e a barreira mental caiu, o que lhe permitiu ver
todos os espíritos de uma só vez, chorando e lamentando a seu redor. Alguns
tentavam chamar sua atenção, e começaram a lhe tocar e gritar em seu ouvido.
Mas o que a deixou realmente
apavorada... foi ver a alma do seu pai... olhando petrificado para o próprio
corpo que sangrava no chão! E ela se perguntou se ele estava morrendo.
Sissi ficou com raiva porque a
garota ruiva estava parada fitando o nada, sem se prontificar a ajudar, e
enquanto puxava seu irmão, perguntou a Carol:
- O que há de errado com ela?
Encontrando dificuldade para içar
o corpo do tio desmaiado, que era extremamente pesado, disse:
- Droga! Logo agora Laura!? Ela
está... em choque. Ela fica assim quando vê sangue... É só ignorar... daqui a
pouco ela vai cair em si e nos seguir...
Em nenhum momento passou pela
cabeça de Carol, que sentiu uma pequena faísca nas mãos assim que tocou no tio,
contar a verdade a sua mãe sobre o talento de sua prima... Se ela não havia
reagido bem a chamá-la de mãe, como lidaria com o fato de que sua prima via
espíritos?
Enquanto seguiam adiante, na
direção do tal Lago Azul, Sissi explicou que era onde os magos com poder de
cura tratavam os enfermos. E seu irmão precisava de um com urgência, pois
aparentemente estava sangrando porque havia sido picado por uma Conien, cobra de fogo das florestas, que
mordia e sugava seu sangue, enquanto soltava um veneno bloodhell, conhecido por incendiar as veias com fogo invisível
enquanto infectava, impedindo que a ferida cicatrizasse, o que normalmente levava
a uma hemorragia grave, como a que seu irmão aparentava ter e que poderia
matar.
O que nenhuma das duas mulheres
percebeu, enquanto arrastava o corpo de Walom para fora da floresta, é que seu
espírito havia passado a encarar de forma espantosa... Laura, e decidiu lhe perguntar:
- De onde nos conhecemos?
- Esta é a sua pergunta? Você
provavelmente está morrendo... não está percebendo?
E quando Walom tocou o rosto de
Laura de forma inconsciente, tomou uma descarga tão intensa de energia, que suas
próprias barreiras mentais foram destruídas, enquanto sugava para si, todas as recordações
dela, e uma verdadeira avalanche de sentimentos.
A viu no ventre da mãe, se
mexendo, enquanto escutava sua voz e a da própria mãe conversando com ela. Sentiu
seu amor, quando abriu os olhos pela primeira vez e enxergou ambos os pais. Viu-se
brincando com Laura, ainda bebê, lhe jogando para cima e para baixo. Um dos
momentos mais elucidativos foi quando se enxergou pelos olhos da pequena
menina, conversando com Thereza Silva, avó da criança, sobre como se sentia
feliz com a paternidade e com o fato da pequena ser um reflexo seu, com seus
olhinhos verdes e cabelinho ruivo. E enxergou a dor desesperada da menina, quando seu pai,
naquele mesmo dia, não mais voltou para segurá-la em seus braços. Sentiu sua
tristeza profunda de criança e a raiva, que acabou por lhe afastar de toda e
qualquer inocência, momento em que, começou a perceber e interagir com
espíritos. E eles lhe deixaram obcecada por encontrar o pai, lhe contando
histórias sobre mundos fantásticos que existiam e que poderiam estar o
escondendo. Testemunhou até o dia em que um espírito maligno fez um acordo com
ela: lhe contaria onde poderia encontrar o pai e a tia, se cometesse um
assassinato. E ele viu a dor dela, quando cometeu aquele crime. O preço que
pagou havia sido caro demais, ceifar uma vida, pela de seu pai. E como aquela
lembrança pesava! Ela sentiu que não valia nada e que merecia a morte. Mas não
naquele momento, pois nada lhe tiraria a chance de resgatar sua família, e, por
fim, viu quando imersa em todo aquele rancor e toda aquela dor, ela arrastou a
prima até o casarão... e havia chegado ali. E em meros segundos, ele ficou consciente
e completamente abismado, enquanto perguntava:
- Filha!?
Continua...